Previsibilidade, política e
um chinês perdido
Radha Barcelos*
Já faz uns anos que o Oscar
deixou de ser um evento-surpresa. Aquela tensão na hora de anunciar o vencedor
deu lugar a uma previsibilidade absoluta estampada no rosto de quem segura o
envelope. São tantas as premiações dos sindicatos pré-Oscar (Screen Actors
Guild Award, Producers Guild Award, Directors Guild Award e etc...) que é
possível fazer uma previsão quase exata de quem serão os laureados com o prêmio
máximo da indústria cinematográfica americana. Talvez por causa disso que a
organização do evento tenha aumentado o tradicional número de cinco
concorrentes para dez na categoria mais importante (melhor filme) há uns anos.
Mas se essa foi a intenção, a tentativa falhou, pois é visível quem são os
cinco concorrentes fortes e os outros que só estão ali fazendo número.
Portanto, sem mistério, tensão ou apostas em bolão que valham à pena. O mesmo
acontece com o formato da apresentação que todo ano arrisca pequenas mudanças,
mas nenhuma delas parece dar realmente certo e tudo acaba voltando para o
trivial.
A
edição 2013 não poderia ser diferente. O apresentador... Quem era o
apresentador mesmo? Seth MacFarlane é o seu nome. Sua carreira é mais voltada
para o ramo das animações. É, por exemplo, o criador da série Family Guy e só no ano passado lançou
seu primeiro longa-metragem de comédia, Ted.
Ou seja, não se trata de uma personalidade expressiva em Hollywood. Sua falta
de carisma, o formato quadrado da apresentação e a previsibilidade dos
vencedores tornaram esse Oscar chato, chato...
Mas
vamos ao que interessa: os ganhadores, começando pela principal categoria. Não
foram necessários os resultados dos
prêmios dos sindicatos para sabermos que a vitória seria de Argo. Ao assistir o filme fica muito claro
porque esse seria obviamente o vencedor. Dos nove concorrentes, quatro já
poderiam ser descartados de primeira (os tais indicados só para fazer volume)
sem a menor chance de convencer os veteranos da academia de que se tratavam do
melhor filme de 2012. São eles: A
indomável sonhadora, que preenchia a vaga cativa de filme independente que
nunca vai levar a estatueta para casa, afinal de contas, o Oscar é a indústria
cinematográfica norte-americana premiando a si mesma, portanto, produções que
estão à margem dessa não têm vez; O lado
bom da vida, comedinha romântica travestida de drama psiquiátrico sem força
suficiente; Amor, bela obra com viés
interessante, porém dirigida por um austríaco e de produção europeia, ou seja,
muito difícil a exceção ocorrida ano passado, quando venceu O artista, se repetir, além da sua
glória já estar reservada para a categoria de melhor filme estrangeiro; e Django Livre, fiel representante da
cartilha motherfucker tarantinesca,
mas pensemos com a cabeça dos membros da academia: se Tarantino não venceu
matando Hittler e vingando os judeus em Bastardos
Inglórios, não vai vencer com um protagonista negro e escravo. Outro
concorrente se encaixa nesse perfil dos que apenas fizeram número, As aventuras de Pi. Em uma edição de
filmes políticos, a fantasia de Ang Lee, por mais bonita que seja, perde
espaço. Inacreditavelmente, esse foi o filme mais premiado da noite com 4
estatuetas, a maioria técnica, embora tenha levado também a de melhor diretor,
certamente o acontecimento mais bizarro da cerimônia.
Portanto,
sobram A hora mais escura, Lincoln, Os miseráveis e Argo como
os candidatos de peso. Em um passado não muito distante, venceria Os miseráveis, pois ele vem com a mais
extravagante embalagem de vencedor do Oscar: grandiloquente, visualmente
arrebatador, dramático, com atuações emocionantes! Só que a obra fala dos
miseráveis franceses e não dos americanos. Os três concorrentes restantes
possuem temas diretamente ligados a política yankee, apesar de haver um abismo de diferenças entre eles.
Enquanto A hora mais escura mostra um
episódio polêmico recente da história do país, a caça ao terrorista Bin Laden,
da controversa diretora Kathryn Bigelow, Lincoln
retrata o presidente norte-americano não como um herói, como era de se esperar
do diretor Steven Spielberg, e sim como um homem idealista capaz de qualquer
coisa para atingir seus objetivos, até decisões não tão nobres quanto a sua
causa, com os fins justificando os meios. Ambos são bons filmes, mas enquanto o
primeiro é mais focado na reprodução da ação de captura do Osama, o segundo é
mais denso, se aprofundando nos diálogos do discurso político. Já Argo é o meio termo. Um filme que mostra
a CIA obtendo sucesso através do uso da inteligência e não da força, que sabe
alternar a tensão das ações com o discurso, porém evitando mergulhar fundo na
discussão moral do episódio histórico em si. E a cereja do bolo: é um filme que
homenageia o cinema, mais propriamente Hollywood e a sua capacidade de fabricar
fantasia (ou até realidade no caso). O mais interessante é o paralelo que é
traçado entre a atividade de um ator e de um agente secreto. Em comum eles têm
o fato de precisarem viver e acreditar no personagem que estão assumindo, pois
quanto mais verdadeiros forem, melhor será o resultado da missão. Ou seja, um
filme para encher de orgulho os profissionais do meio.
Como
já foi dito no início, o resto da premiação correu sem grandes surpresas com o
monstro Daniel Day-Lewis levando sua merecida estatueta por ter recebido o
espírito de Abraham Lincoln; Anne Hathaway saiu com o prêmio de melhor atriz
coadjuvante por ter raspado a cabeça na frente das câmeras e cantado a
música-símbolo de Os miseráveis, Dreamed a dream, mostrando de fato uma
evolução na sua qualidade cênica; Tarantino levou o melhor roteiro original,
pois realmente mais original que ele é difícil, e Argo o melhor adaptado. Christoph
Waltz venceu na categoria melhor ator coadjuvante novamente pelo papel do
caçador de recompensas que vencera 3 anos atrás com Bastardos Inglórios, demonstrando uma certa falta de criatividade
da academia. A vitória de Jennifer Lawrence como melhor atriz foi um tanto
precipitada. A novata já havia mostrado ao que veio em Inverno da alma, mas na época esbarrou na exuberância de Natalie
Portman em Cisne Negro. Para quem com
19 anos já sustentava uma personagem pesada como aquela, ter um Oscar para
chamar de seu (e aprender a usar salto e vestido longo ao mesmo tempo) era
questão de tempo e amadurecimento profissional. Mas a academia com suas
compensações queimou a largada, premiando a atriz por um trabalho eficiente,
porém num filme raso e rapidamente esquecível. A atriz que tem uma longa
carreira pela frente certamente terá melhores oportunidades de mostrar seu
brilho pessoal. A única surpresa da noite foi a vitória de Ang Lee na direção.
É inédito um filme que só venceu em categorias técnicas levar melhor direção.
Afinal de contas, os fatos falam por si, As
aventuras de Pi é totalmente computadorizado. Sem querer desmerecer a
tecnologia e seus respectivos desafios, mas não dá para comparar com a direção
geral e principalmente de atores de Lincoln
ou até de Amor. É privilegiar o
trabalho de uma máquina em detrimento ao humano. Ou privilegiar o trabalho de
um chinês que faz filmes mais americanos que os próprios americanos em relação
ao do veterano Spielberg que mostrou o lado feio da política. Sempre ela
decidindo os rumos da premiação.
(*) Colaboradora do Jornal Petrópolis em Cena
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