Foto: Pedro Costa |
Com histórico de
desafios e mudanças, Fátima Anselmo supera dificuldades para oferecer alimentos
de qualidade durante período de quarentena
Superar desafios não é
novidade na vida de Fátima Anselmo. Mudar, se reinventar, também não. A
trajetória a agricultora, nascida em Fortaleza, mostra isso. De professora de
história a uma das maiores produtoras de alimentos orgânicos do Rio de Janeiro,
Fátima trilhou um caminho de incertezas, mas de muito sucesso até se tornar a
Maga da Terra. O segredo parece ser manter a serenidade, e entender que o que
acontece tem um propósito de ensinar. Conforme gosta de dizer: “A segunda
colheita é sempre melhor”. Entre enchentes e uma pandemia inimagináveis, a
mulher forte nordestina confia que, de novo, vai dar a volta por cima, como
sempre fez.
Professora de história, desceu
para a Região Sudeste há algumas décadas. Instalou-se com a família no Brejal,
nos arredores de Petrópolis, Rio de
Janeiro, lugar considerado referência no cultivo de orgânicos, e acabou “picada
pela abelhinha da agricultura”, diz.
“Ofereci meu trabalho aos
vizinhos, de graça, para aprender a plantar”, conta Fátima. Em 2000, quando
adquiriu um sítio de dois hectares, ela e o então marido rasparam as economias
para transformar o hobby em negócio.
Os legumes eram vendidos em
feiras orgânicas da cidade, entregues diretamente aos consumidores ou, quando
havia sobra, caíam nas mãos de atravessadores – o que minguava os rendimentos
da família. “Como não dava para viver da produção, um dia resolvi procurar os
hotéis e restaurantes. Para conquistar os clientes, dava os produtos de graça”,
afirma. Naquele momento, as coisas começaram a mudar.
Depois de firmar os primeiros
contratos com pequenos estabelecimentos cariocas, Fátima foi aumentando a
clientela com base na propaganda boca a boca. E acabou descobrindo algo que a
destacou da concorrência: a produção de minilegumes e brotos. As entregas eram
feitas em seu velho carro, sempre de madrugada.
“Saía do sítio às duas da
manhã, trazendo meus dois filhos, que eram bebês, dormindo em colchões por cima
das caixas de isopor”, conta Fátima.
O sucesso das vendas a
encorajou a arriscar mais. Um dia, Fátima encheu-se de coragem e enviou um
e-mail para o famoso chef Claude Troisgros.
“Escrevi achando que ele era
mulher, acredita? Ainda assim, ele respondeu e pediu amostras”, ela ri da
confusão.
O mix de folhas que Fátima
desenvolveu para a rede de restaurantes de Troisgros serviu de cartão de visita
para a conquista de outros clientes de peso – vieram na carona os chefs Roberta
Sudbrack e Felipe Bronze, além dos restaurantes dos hotéis Fasano, Copacabana
Palace e Sheraton.
Reconstrução
Em 2011, Fátima viu seu sonho
literalmente ir por água abaixo. “As chuvas destruíram o sítio, só fiquei com
30% da terra coberta de lama”, diz. Juntos, Claude Troisgros e Roberta Sudbrack
financiaram sua recuperação.
“Eles até bancaram o pagamento
dos meus funcionários”, lembra Fátima, que ainda se emociona ao contar a
história.
Hoje tocando os negócios junto
de seus dois filhos, desde 2014 a “Maga da Terra” ocupa um terreno arrendado de
2 mil metros quadrados em um dos bairros mais bucólicos do Rio de Janeiro, com
direito a água de nascente. O ar puro é a tranquilidade na horta da
agricultora. No grande terreno que fica no Itanhangá, na Zona Oeste do Rio de
Janeiro, onde funciona a horta do Orgânicos da Fátima, é possível passear por
entre centenas de espécies de flores, verduras e legumes que a produtora
cultiva com carinho, e se perder em diversas sensações nas misturas de cores,
cheiros dos temperos e paladar dos alimentos frescos.
O sítio do Brejal também
voltou a produzir – é lá que são plantados os minilegumes, enquanto o cultivo
de brotos e flores comestíveis fica concentrado nas duas grandes estufas
cariocas. Somando-se as duas propriedades, a produção chega a 1 tonelada por
mês.
Crise com o coronavírus
A crise atual por conta da
expansão da ameaça do Covid-19, o coronavírus, assusta os produtores. Numa era
em que se inicia uma pandemia, os negócios são abalados, mas a confiança em
fazer o certo, não. Continuar produzindo e servindo os consumidores é o que
move Fátima, e aguça a sua capacidade de reinvenção.
O maior faturamento da
produtora era com a venda sistemática para restaurantes e hostéis. Devido à
pandemia do Covid-19, os estabelecimentos foram fechados e, por consequência
disso, suspenderam os contratos das cestas. Assim sendo, ela perdeu 99,9% de
seu faturamento, tendo que estabelecer, assim, a venda de cestas para o
público em geral como atividade principal para manter funcionários e a
sobrevivência pessoal.
Atualmente, a Orgânicos da
Fátima tem o foco de entregar em domicílio os produtos. O serviço, antes,
representava apenas uma pequena parcela do faturamento da horta. Em seu favor,
Fátima acredita que a busca pela alimentação orgânica pode ajudar nesse período
de quarentena. Mas, claro, com todos os cuidados para que o alimento chegue ao
comprador.
“É importante que continuemos
os trabalhos para que todos possam se alimentar durante este período atípico,
mas intensificamos todos os protocolos de higiene que já estavam em prática.
Aqui os colaboradores usam máscaras, andam com os vidros de álcool em gel e
lavam as mãos constantemente. O pessoal da entrega, que faz o delivery, foi
orientado a também lavar as mãos com álcool antes e depois de qualquer contato
com os equipamentos e com as cestas que são entregues. Recomendamos até que não
tenham contato direto com o consumidor”, diz Fátima Anselmo.
Ela aponta os produtos frescos
como essenciais para o corpo e para a mente. E para a consciência sobre o
planeta. Vegetais, frutas e legumes, por exemplo, têm alto valor nutricional
ajudam a fortalecer o sistema imunológico. Embora nenhum alimento sozinho possa
fazer milagre quanto à imunidade para as doenças, a dieta diversificada aliada
a um estilo de vida controlado, com bom sono e exercícios ajudam. E entender
isso leva a pensar nos produtos orgânicos.
“O produto orgânico é um
conceito. As pessoas que compram o alimento levam junto para casa um pacote que
inclui geração de empregos, cuidados especiais com a água, todo o ambiente e uso
sustentável dos recursos. É uma comida limpa”, explica Fátima. Para ela, é o
momento de cuidarmos não só uns dos outros, mas também da natureza, que sempre
nos manda os sinais.
“Estamos fazendo o possível
para passar bem por essa situação, trabalhando juntos vamos superar qualquer
dificuldade. Tem a ver com os bons hábitos e a mudança em cada um”,
afirma.
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