Virgínia Ferreira*
Nada é para sempre: alegria,
tristeza, felicidade, infelicidade, relacionamentos profissionais, sociais,
políticos, epidemias, pandemias, guerras, paixões, enfim, nada. Assim como a
existência de cada um de nós, não é para sempre. Sabemos disso, mas não nos
agrada pensar nisso, nos negamos a pensar na morte.
Mais do que qualquer coisa,
situações de guerras, pandemias, tragédias naturais dentre outras, nos colocam
de frente para a morte. Isso nos apavora. Apesar de saber que somos mortais, a
ideia da morte nos apavora. A pergunta é por que nos apavora se, por exemplo, “Uma
flor que dura apenas uma noite nem por isso nos parece menos bela¹”? Por que
aceitamos a finitude de uma flor e repudiamos a nossa própria? A nossa finitude
é tão óbvia que, se mostra na decadência e na falência do nosso corpo. Alguns
dirão, mas o bisturi está aí para restituir ao corpo tudo aquilo que a natureza
“derrubou”. Mas, por mais que a tecnologia e a ciência tenham evoluído, ainda
não criaram uma pílula ou uma técnica que livre o sujeito de seu mais cruel
pesadelo: a morte.
A finitude é uma ferida
narcísica, um fantasma que nos assombra, ora com mais contundência como o
momento que a humanidade está vivendo, ora quase que desapercebidamente, mas
assombra. Isso porque, a morte, não é um bem, até porque se fosse, diz Safo de
Lesbos, os deuses não seriam imortais. Mas, dedicar a existência a brigar
contra o fim a que todo ser humano está fadado, é perda de tempo, é
desgastante, é uma luta desigual. O sujeito precisa ter consciência de sua
finitude, mas essa consciência não pode impedi-lo de viver, de ser feliz, de
buscar seus objetivos etc.
Quantos de nós têm em suas
casas um belo jardim apesar de saber que as flores que ali estão em breve irão
murchar e morrer? Porque não deixamos de admirar a beleza delas mesmo sabendo
que é uma beleza passageira. Por que não fazemos da mesma maneira com a nossa
existência, admiramos e cuidamos muito mesmo cientes de sua transitoriedade?
Por que não fazemos dessa quarentena uma oportunidade para nos aproximarmos de
nós mesmos e do outro? Talvez a morte seja tão apavorante porque deixo sempre
para depois tudo o que posso fazer hoje, porque vivo no universo das intenções.
Assim, ao olhar para trás, não vejo nada. Se faço, se vivo no mundo das ações,
olho para trás e vejo que os jardins que plantei, replantei, cuidei, sempre
floriram, sempre foram um bálsamo para meus olhos e para meu olfato, bem como
para os olhos daqueles que podem ver e admirar os belos jardins e se deleitar
no suave perfume de suas flores.
A pandemia passa, a peste
negra passou, as duas grandes guerras passaram e a humanidade permanece viva.
Vamos admirar nossa existência e exercitar a solidariedade. Se o vizinho não
tem um jardim, convide-o para admirar o seu hoje. Amanhã, as flores já podem
ter morrido.
¹ - FREUD, Sigmund. Edição
Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de
Janeiro: Imago, 1974 - Vol. XIV – Sobre a Transitoriedade (1915[1915], p.
346.
(*) Psicanalista e
coordenadora da Pós-graduação em Psicologia nas Perspectivas Breves da
FMP/Fase.
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