José Daniel Mendes Barcelos



José Daniel Mendes Barcelos*

A psicanálise, mesmo antes de sua origem em 1900, fundada por Freud com a publicação do livro “A interpretação dos Sonhos”, revelou-se como uma forma de tratamento diferente de todas as existentes até então. O que a psicanálise trouxe de novidade? A palavra do paciente, sua fala e suas associações livres. Este último, passou a ser o principal método de acesso ao que Freud nomeou, no livro acima citado, como Inconsciente. Essa foi a inovação técnica e clínica que a psicanálise revelou ao mundo, pois trouxe para a cena o sujeito e seu discurso, indicando que o sofrimento mental é singular e que o tratamento só tem possibilidade de acontecer à medida que esse sujeito pode, falando de sua história, acessar as experiências infantis que o marcaram em seu inconsciente.

 

As histéricas da época de Charcot (Anna O. e companhia) são testemunhas reais desta inovação. Inicialmente, colocadas como objetos de investigação pela ciência do século XIX, passam a ser escutadas por Freud, revelando que seu sofrimento advém de experiências infantis, nomeadas por Freud de Complexo de Édipo.

 

Capaz de dar voz e escutar o sofrimento de nossa época, idade moderna, Freud publica em 1930 mais um texto revolucionário, denominado “O mal-estar na civilização”. Este texto, ainda considerado atual, traz uma das possibilidades de analisarmos os efeitos da pandemia COVID-19 na cultura, bem como o agravo de problemas de saúde mental na população mundial, segundo as orientações recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS). Conforme este órgão, teremos como efeito do isolamento social, recessão econômica e outros problemas relativos à pandemia, também um agravamento nos quadros de saúde mental, que já eram preocupantes mesmo antes da chegada do novo Coronavírus. Pesquisas recentes, apresentadas pela OMS, indicam que os problemas de saúde mental no mundo já estavam aparecendo como o mal do século XXI.

 

Neste texto de 1930, Freud introduz as três formas de apresentação do mal-estar nos sujeitos como contenção às exigências de satisfação das pulsões, necessária ao processo civilizatório. O coletivo humano padece de diferentes formas de sofrimento, sendo: a primeira resultante das forças da natureza e da incapacidade humana de controlá-las; a segunda o envelhecimento do corpo e as doenças que apontam para a finitude da vida; e a terceira forma de sofrimento está ligada às relações interpessoais, particularmente, as amorosas.

 

 Frente a esses três tipos de sofrimento, Freud indica que o único mal-estar que a psicanálise poderia acolher e tratar é o das relações humanas. Então, não teríamos o que fazer frente ao mal-estar que o isolamento social e os outros efeitos da pandemia geram em nós? Não ao adoecimento do corpo provocado pela COVID-19, mas podemos e devemos escutar e responder ao sofrimento psíquico derivado deste processo que assola o mundo.

 

A psicanálise não recua e não recuará frente ao sofrimento psíquico de forma nenhuma. Escutar o que cada sujeito em sua singularidade encontra como forma de lidar com os impasses e as dificuldades da vida, faz parte da posição ética do psicanalista. Como analistas, sabemos que essas experiências coletivas são vividas e elaboradas por cada sujeito a partir de sua história, sendo o aumento de sintomas e de sofrimento um fator diretamente relacionado aos meios pelos quais cada sujeito enfrentou em sua história outros conflitos e experiências traumáticas. Esta é uma das formas da psicanálise responder a esse problema que, provavelmente, será o mais grave enfrentado desde a experiência da Segunda Guerra Mundial.

 

(*)Psicanalista, professor do curso de Psicologia da UNIFASE.

 

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