Angie Piqué*
Uma nova forma de punição vem ganhando força no tribunal das redes
sociais: o cancelamento de pessoas. O fenômeno, que tem sua origem na “Cultura
do Cancelamento”, vem sendo utilizado na internet para punir, excluir e,
principalmente, cancelar, pessoas públicas, que disseram coisas preconceituosas
e ofensivas consideradas inaceitáveis na atualidade. A chamada cultura do
cancelamento permite que a opinião pública se manifeste contra qualquer ato
considerado inaceitável para os dias de hoje como, por exemplo, racismo,
discriminação, preconceito, xenofobia, homofobia e abuso de poder. Porém, por
outro lado, ela também oferece perigos que são característicos a qualquer ato
de censura e exclusão, já que nem sempre é claro o limite entre o certo e o
errado.
A maneira punitiva como funciona o cancelamento virtual de pessoas
se assemelha a antiga forma relatada na história de apedrejamento ou
linchamento. Aqueles que desejam repudiar algum tipo de comportamento conseguem
participar de forma direta no ato de repreender e expressar raiva, ódio e
outros sentimentos negativos. O cancelamento virtual, apesar de não ter
consequências diretamente letais, como acontece no linchamento, acaba
provocando a exclusão de uma determinada pessoa do convívio, pelo menos a nível
virtual, acarretando, em muitos dos casos, consequências importantes.
Dependendo com quem e em que circunstâncias isto acontece, quem sofre o
cancelamento pode perder oportunidades de troca, visibilidade, contratos
profissionais, patrocínios e, também, manchar sua imagem pública.
Neste jogo de exclusão, tanto aquele que é repudiado como aquele
que exerce o repúdio pode sofrer diversas consequências psíquicas preocupantes.
O fato de se sentir excluído de forma tão rápida e por tantas pessoas ocasiona
sentimentos de desamparo, depressão e, em alguns casos, pode despertar uma sede
de vingança. A vítima do cancelamento pode se sentir injustiçado e, consequentemente,
procurar a forma de “dar o troco”.
Ainda que consideremos que muitas das pessoas canceladas são
merecedoras de serem banidas ou limitadas em relação à emissão de opiniões ou
participações em grupos, não podemos esquecer que o objetivo mais importante
deste tipo de ação deveria ser o seu efeito educador. E como educar alguém que
é banido do grupo? A opinião pública pode, de forma devastadora e muito rápida,
destruir a imagem de alguém inocente ou, até mesmo, contribuir para atos
destrutivos e preocupantes, como o suicídio, brigas e guerras entre grupos e
expressões de ódio que inflamam e dividem os membros de um grupo ou sociedade.
Estes perigos se tornam mais preocupantes no caso dos adolescentes, que
representam uma população que domina a internet e que utilizam a cultura do
cancelamento sendo extremamente rígidos nas críticas sobre o que eles mesmos
consideram certo ou errado.
É fundamental que pais e educadores procurem conversar com os
adolescentes sobre todos estes riscos e tentem, sempre que possível, demonstrar
que qualquer tipo de postura considerada condenável, ofensiva ou preconceituosa
acaba tendo consequências incontroláveis que podem afetar drasticamente a vida
de outra pessoa.
(*) Gestora Nacional do Curso de Psicologia da Estácio
(Edição: 02/03/2021)
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