O trabalho da equipe de arqueologia desvendou mais de duas mil peças, ligadas ao passado do palácio. Hoje, os arqueólogos buscam mapear a localização original do cruzeiro.
O prefeito Hingo Hammes anunciou o início, nesta quinta-feira (2), de uma nova etapa nas obras do Palácio de Cristal. Sob a supervisão de arqueólogos, as equipes da empresa que executa as intervenções no espaço vão avançar com o trabalho para a instalação da rede subterrânea de cabos e de tubulações. Com autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan, o serviço será feito nas áreas onde o trabalho de arqueologia já foi concluído.
“Este é mais um passo importante. O trabalho de arqueologia que foi determinado pelo Iphan segue em andamento, mas conseguimos autorização para avançarmos, paralelamente, com as demais intervenções do projeto. Tudo será feito com o acompanhamento da equipe de arqueologia. Estamos trabalhando muito para, o quanto antes, concluirmos e reabrirmos o Palácio à visitação”, afirmou o prefeito Hingo Hammes.
A reforma do Palácio de Cristal foi iniciada em 2019 e interrompida, no ano seguinte, pelo Iphan, que identificou a existência de material com potencial valor histórico, durante as escavações realizadas para a obra. Em 2021, a atual gestão da Prefeitura atendeu às exigências do órgão federal e retomou os trabalhos. “Enquanto arqueólogos vieram executando as escavações de pesquisa, tivemos a reforma dos banheiros, assim como a instalação de um novo piso na entrada, substituindo o saibro. Agora, as escavações para a instalação da rede elétrica e de esgoto serão iniciadas, com o monitoramento dos arqueólogos, para que isso não interfira no trabalho de levantamento histórico, que vem sendo realizado desde maio”, informa o secretário de Obras Maurício Veiga, que esteve hoje (1) no Palácio, em reunião com o gerente de obras da Engeprat, Cláudio Mills de Carvalho. “As próximas ações previstas são a instalação de um novo passeio, com piso tátil”.
O município também vai fazer melhorias no próprio palácio após a conclusão dos trabalhos na área externa.
Busca pela localização original do cruzeiro
O trabalho arqueológico no jardim do Palácio de Cristal vem buscando desvendar a história menos visível do espaço. Examinando os vestígios que estão além do que revela a estrutura imponente, pré-fabricada na França, na cidade de Arras, como encomenda às oficinas da Société Anonyme de Saint-Sauveur, de inspiração no Crystal Palace de Londres. Desde maio, mais de duas mil peças, entre pedaços de louças inglesas usadas pela elite do século XIX e de stoneware, foram encontradas. Algumas já estão expostas na entrada do que hoje é um ponto turístico. A maior parte, no entanto, foi encaminhada para análise em laboratório no sul Fluminense.
Desde setembro, os arqueólogos passaram a investigar um outro mistério ligado ao espaço. Nas fotos e gravuras do passado, havia um cruzeiro, que hoje está em um local diferente. “Esse cruzeiro ficava na frente do palácio, pelo que mostram as fotos do início do século passado. Aproximadamente, a cinco metros de distância. Reproduzimos a mesma foto, que foi tirada a partir do que hoje é a entrada do espaço, e conseguimos, com um trabalho de sobreposição de imagem e mapeamento a laser, identificar o provável ponto onde ele ficava”, revela Giovani Scaramella, diretor da empresa Grifo Arqueologia.
Já a gravura feita pelo artista Otto Reimarus, em 1854, a partir do palácio, em direção à rua Alfredo Pachá (onde se dá o acesso atual ao ponto turístico), revela outra hipótese a ser investigada: a de que o cruzeiro, antes mesmo da existência do Palácio de Cristal, era um ponto de adoração de fiés católicos, que vieram para a cidade a partir da colonização alemã.
“Na análise é possível perceber que há uma espécie de oratório. Em volta, uma cerca. E, à frente, a imagem de uma pessoa com os braços erguidos. Nas nossas pesquisas, especialmente voltadas para os hábitos religiosos do povo alemão, que migrou para a cidade neste período, chegamos às Flurkreuz (cruz de piso, no alemão). Elas eram comumente instaladas em países da Europa como a Alemanha, em caminhos de peregrinação de fiés católicos. Antes do Palácio de Cristal já existia o uso social desse espaço. A Praça da Confluência, que ficava no lugar onde se encontravam os rios Quitandinha e Piabanha, surgiu em 1846 e a primeira notícia de uma atividade oficial na praça foi uma missa em homenagem à vinda dos colonos alemães. Em 1846, pelas pesquisas de historiadores locais, identificamos a possibilidade de existência de três cruzes como esta. A segunda, próxima à catedral São Pedro de Alcântara e uma terceira, cuja localização não foi identificada”, contextualiza a historiadora e educadora patrimonial da Grifo, Roselene Martins.
A historiadora ainda lembra que só a partir de 1870 o espaço começou a receber as primeiras exposições de hortícolas, como frutas, legumes, plantas e flores. “Era como se fosse uma feira de elite”, ressalta. “Essas exposições, que ocorriam uma vez por ano, faziam tanto sucesso que, a partir da ideia de Pedro II de um espaço permanente para elas, o Conde d’Eu, marido da Princesa Isabel e presidente da Sociedade Agrícola de Petrópolis, inspirado no Crystal Palace de Londres, encomendou o palácio pré-fabricado, que representa um momento em que a monarquia estava se mostrando atual para o século XIX. Trazer esse prédio de vidro e ferro inspirado nos ingleses, que eram o suprassumo da revolução industrial, simbolizava uma monarquia moderna, o que deveria ser a marca do Segundo Reinado”, afirma Roselene, que lembra que o palácio só foi inaugurado em 1884. “Há nesse espaço uma história a ser resgatada que é anterior ao palácio”.
Desde o dia 28 de setembro, uma nova demarcação de escavações foi feita na frente do Palácio de Cristal. Depois que a primeira etapa do trabalho concluiu o peneiramento dos 324 metros de trincheiras no aterro que compõe o jardim, os arqueólogos passaram a buscar evidências da estrutura original do espaço. Entre elas, a base do cruzeiro que já havia sido identificada nas fotos do século XX. “Foi traçada a demarcação para a nova trincheira. Esta com um metro de largura, um metro e meio de profundidade e 25 metros de comprimento. É um trabalho mais minucioso, para buscar a história em camadas anteriores à construção e utilização desse espaço nos séculos passados”, revela o diretor da empresa de arqueologia que informa que já é possível identificar vestígios de uma pavimentação anterior ao palácio. “Há pedras que são diferentes do padrão que encontramos nas outras escavações que podem ter sido parte do que era o caminho de acesso ao cruzeiro”.
Os técnicos identificaram ainda o ponto onde possivelmente estava instalado o cruzeiro. “Tanto o mês de outubro, quanto o início de novembro, dificultaram o trabalho porque trouxeram dias muito chuvosos. Mas, já conseguimos dar andamento às escavações no ponto demarcado onde estaria o cruzeiro. Encontramos uma espécie de sapata, uma estrutura de sustentação. Além disso, até agora, identificamos nove diferentes camadas de sedimentação de aterros no espaço. O próprio palácio foi construído em cima de um aterro de 40cm, elevado ainda por uma base de também 40cm. O que mostra que havia uma preocupação com as inundações que a praça da Confluência sofria no passado”, informa o mestre em arqueologia Kedma Gomes, que veio de Lisboa e coordena desde maio os trabalhos no Palácio de Cristal.
Postar um comentário
Gostou da matéria? Deixe seu comentário ou sugestão.