Especialistas em atuar em tragédias no Brasil e exterior, eles trocam experiências e se reencontram / Foto: Rafael Campos |
União de esforços
Vários sotaques, mas uma só missão, focada em salvamentos e buscas de pessoas e animais. Bombeiros de 19 estados e do Distrito Federal se uniram à força-tarefa coordenada pelo Corpo de Bombeiros Militar do Rio de Janeiro para o resgate às vítimas do maior desastre natural ocorrido em Petrópolis desde 1988, que já resultou em mais de 200 mortes e pelo menos 33 desaparecidos. Dos 640 homens em ação, 140 são de outras unidades federativas. Com eles, além de diversos tipos de tecnologias, empregadas nesse tipo de "cenário de guerra", o apoio também de uma tropa literalmente animal: 48 cães-bombeiros, que se juntaram aos outros dez do Rio. A união de esforços já tinha propiciado, até a última sexta-feira, o encontro de 105 corpos soterrados e o salvamento de mais de duas dezenas de pessoas entre escombros.
- As ações bem coordenadas dos bombeiros nos emocionam e evidenciam a importância do trabalho deles em todos os momentos, sobretudo em situações extremas, como a de Petrópolis - ressalta o governador Cláudio Castro, que se deslocou para o município imediatamente após a tragédia, ajudando a montar pessoalmente a rede emergencial para resgates e procura de vítimas.
No dia a dia, os esforços abnegados ajudam a superar a dor que a dura rotina
naturalmente impõe aos profissionais e acabam sendo instrumentos para uma rica
troca de experiências sobre o modo de atuação das múltiplas equipes, que
chegaram a se espalhar por mais de 80 pontos críticos. A maioria dos
combatentes em Petrópolis é especialista em lidar com flagelos de grande monta
e já teve experiência em ocorrências nacionais e internacionais históricas,
como nos casos de Mariana, Brumadinho, terremotos no Haiti, furacão Katrina,
entre outras devastações.
Com seu inconfundível vocabulário 'mineirês', o coronel bombeiro Sérgio José
Ferreira de 52 anos, do 1° Comando Operacional de Bombeiros de Belo Horizonte,
comandou 14 homens, que usaram planilhas e cálculos capazes de reconstituir
cenários anteriores aos deslizamentos no Morro da Oficina e projetar onde
possivelmente teriam ido parar corpos sob toneladas de lama, entulho, pedras e
vegetação, que se espalharam num raio de aproximadamente 400 metros quadrados.
- Com Bono e Cronos (pastores-belgas-malinois), que têm o poder olfativo 40
vezes maior que o do ser humano, conseguimos localizar vários corpos - comentou
Ferreira, ressaltando que a inclinação dos morros no município, que chega a 45
graus no Oficina, tem sido uma dificuldade a mais para as equipes.
- Tudo superado pelo apoio emocionante dos moradores, que nos oferecem água,
café, alimentos e rodas de orações a todo momento - testemunha.
O sargento bombeiro paulista Clóvis Benedito de Souza, de 45 anos, conta que
até o comportamento dos cachorros de cada região é observado.
- Por que determinado cão de um estado fareja mais que de outro? Por que uns
cansam mais e outros menos? Por que uns chegam a cavar com as patas e outros
não? São tipos de questionamentos que nos ajudam a entender melhor os animais e
a treiná-los melhor para a pronta-resposta que tanto precisamos no dia a dia -
justifica Clóvis, ao lado de Hope e Cléo, também pastores-belgas-malinois.
Drones sobrevoaram a cidade / Foto: Rafael Campos |
Drone, outro forte aliado nas ações
Se os cálculos na ponta do lápis dos bombeiros de Minas despertam a atenção dos
colegas de outros estados, assim como a atenção dos paulistas de como os cães
procedem nas buscas por vítimas, o emprego de drones pelos profissionais
fluminenses também está servindo de exemplo. Três equipamentos da Coordenadoria
de Veículos Aéreos Não-Tripulados - COVANT se mostram essenciais para a
localização de desaparecidos, monitoramentos de rios e sinalização de riscos
geológicos.
- Esse tipo de tecnologia passou a ser indispensável. Auxilia equipes de campo
em tempo real e vai aonde elas não conseguem chegar; evita a exposição
desnecessária de colegas a riscos iminentes; e gera imagens de alta qualidade,
de uma altura de até três quilômetros. Isso nos permite mapear áreas, avaliar
estruturas geológicas e materiais e planejar mais assertivamente e de forma
mais rápida a distribuição dos grupos de trabalho, possibilitando a chegada de socorro
urgente a precisa - enumera o tenente-coronel Mário Henrique Lasneaux, de 41
anos, do Grupamento de Angra dos Reis, responsável pela coordenação do Posto
Móvel do Morro da Oficina.
O major fluminense Armando Júnior, de 41 anos, exalta a integração dos
bombeiros em Petrópolis, apoiada pelo Conselho Nacional dos Corpos de Bombeiros
Militares do Brasil (Ligabom). A entidade ajuda no acionamento dos quartéis
para socorros mútuos em calamidades.
- É a chance de colocarmos em prática uma rica troca de experiências, que só
temos em seminários ou encontros virtuais. Esses novos conhecimentos
compartilhados só somam em favor da corporação e, principalmente, para o
cidadão - justifica Armando.
Profissionais de diversas partes do país de encontram em Petrópolis / Foto: Rafael Campos |
Amizade forjada em outras ocorrências graves
Treinados física e psicologicamente para trabalhar em condições adversas em
grandes emergências, alguns profissionais que estão atuando em Petrópolis se
emocionaram ao se reencontrarem depois de atuarem em outras tragédias como a de
Brumadinho e Mariana, as maiores tragédias industriais do século, ambas em
Minas Gerais. O cumprimento do coronel mineiro Sérgio José Ferreira e do
tenente coronel carioca Mário Henrique Lasneaux sela uma amizade conquistada no
batente e carrega o sentimento das tropas.
- É uma satisfação reencontrar guerreiros que, se for preciso, dão a própria
vida para salvar outras - resume Lasneaux.
O sargento Laércio Lelis de Freitas, de 40 anos, do Grupamento de Ipiranga-SP,
também se emociona ao descrever o reencontro com colegas de outros estados em
Petrópolis, como os de Mato Grosso do Sul.
- Reencontrei colegas de outros estados que também estiveram comigo em
Brumadinho e mais recentemente após o temporal em Franco da Rocha (que matou
mais de 30 pessoas em deslizamento). É um alento, uma alegria indescritível em
meio a tanta dor que a gente vê, saber que o colega está bem - comenta, com a
voz embargada.
Uniram-se aos bombeiros do Rio profissionais de Santa Catarina, Rio Grande do
Sul, Tocantins, Sergipe, Paraíba, Goiás, Ceará, Maranhão, Espírito Santo, Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul, Alagoas, Bahia, Paraná, Rio Grande do Norte, Piauí
e Amapá, além de Minas Gerais, São Paulo e Distrito Federal.
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