Luciana Ramalho*
Como começar a escrever sobre essa medicina linda, poderosa e tão incompreendida? Não saberia e nem me atreveria imaginar em esgotar o tema que hoje me define como pessoa, mulher, amiga, mãe, filha, médica e professora.
Sentei-me para escrever este artigo pensando nas palavras e seus significados, no peso e na importância que carregam. Palavras, dentre muitas outras, como dignidade e ética, vida e morte, qualidade e autonomia, decisões e processo, que povoam meu dia a dia e me obrigam a refletir diante das múltiplas dimensões dos seres humanos.
Os Cuidados Paliativos são justamente esta abordagem ampla, que enxerga o indivíduo em todas as suas dimensões: física, psicossocial e espiritual. Trata de amenizar sofrimentos em todas e cada uma destas esferas, controlando impecavelmente quaisquer sintomas que possam aparecer no curso dos tratamentos de doenças que limitem a vida em tempo ou qualidade. Aqui, temos a primeira incompreensão: Cuidados Paliativos não são apenas para pacientes que estão à beira da morte, “quando não há mais nada que se possa fazer”; nunca foram substitutos dos tratamentos curativos. São, antes, este atendimento prestado por uma equipe multidisciplinar que possa observar e validar a pessoa doente e sua família em todos os seus valores e demandas, durante todo o processo de adoecimento, que pode ter tratamento curativo ou não. Para os Cuidados Paliativos sempre há o que se fazer, pois aquela pessoa segue viva, e esta vida tem que ser valorizada em sua máxima intensidade, até quando a morte chegar.
Para proporcionar um tratamento à altura da dignidade humana, aliviando sofrimentos e restabelecendo a vida mais plena que se puder alcançar, a abordagem exige a criação de um grande vínculo entre pacientes, família e equipe de Cuidados Paliativos. E, quando a morte ocorrer, o atendimento se mantém para as famílias e equipes diante do luto.
Com efeito, e essa é a segunda incompreensão, o termo Paliativo não tem o sentido de nada melhor a fazer: não é jeitinho ou, pior ainda, gambiarra. O termo provém de Pallium, o manto que abrigava o viajante protegendo-o do frio, chuva, calor ou agressões do caminho. Talvez esta seja a maior contribuição do Paliativista: estar ao lado destes viajantes no caminho da vida, protegendo e guardando-os do sofrimento desnecessário no enfrentamento de doenças que podem levá-los a morte. Estando junto nas tomadas de decisões, na busca da dignidade de vida e durante o processo da morte, é ele que poderá viabilizar a comunicação tão difícil entre o paciente e seus familiares, e também com as equipes de especialistas. E, através desta comunicação efetiva, serão mais bem compreendidos os valores e as demandas dos pacientes e suas famílias, valorizando sua autonomia, princípio fundamental da ética em saúde, e evitando- se o prolongamento de vida sem sentido e qualidade com tratamentos fúteis e desnecessários.
(*) Médica, especialista em cuidados paliativos e bioética, professora de semiologia da UNIFASE/FMP.
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