Talita Lelis Berti *
“O Brasil voltou ao mapa da fome e atinge 33,1 milhões de brasileiros”, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Além da fome, mais da metade da população, cerca de 125 milhões de brasileiros, vive com algum grau de insegurança alimentar - condição de não ter acesso pleno e permanente a alimentos - sendo a fome, representada pelo grau mais grave.
Após avanços obtidos por 8 anos, o Brasil retrocedeu em 2021, impactando nas metas dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS - 2030), plano acordado com países integrantes da Organização das Nações Unidas (ONU). O Objetivo nº 2 prevê até 2030 acabar com a fome, garantir o acesso de todas as pessoas, em particular pessoas em situações vulneráveis, a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano, acabar com todas as formas de desnutrição e promover práticas de produção de alimentos que preservem o meio ambiente e os hábitos culturais de cada país.
A fome não possui causa e soluções únicas, mas está diretamente relacionada a causas estruturais, como a pobreza e as diferenças de oportunidades e de condições de vida impactadas, por exemplo, pelo acesso à renda e às diferenças injustas (iniquidades) relacionadas à raça/cor ou gênero. Segundo Josué de Castro, brasileiro nordestino, que foi pioneiro na construção dos primeiros conceitos e ações acerca da segurança alimentar e nutricional (SAN), em suas primeiras publicações, datadas a partir de 1946, já defendia que a fome é consequência de políticas governamentais e econômicas, produtoras de desigualdades sociais. Estes ensinamentos podem ser traduzidos ao que vivenciamos sendo, portanto, importante conhecermos ou lembrarmos alguns fatos do passado.
O Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA) se trata de um órgão consultivo, com objetivo de assessorar o Presidente da República. Viabilizou desde a sua criação em 1993, até a sua extinção em 1º de janeiro de 2019, a participação da sociedade junto ao governo nas discussões sobre a formulação, execução, acompanhamento, monitoramento e controle das políticas públicas, buscando garantir a segurança alimentar e nutricional. Com vistas prioritárias ao atendimento da parcela da população que não dispõe de meios para prover suas necessidades básicas, em especial o combate à fome, é um importante elo entre a sociedade e o governo brasileiro.
Assim, durante a extinção do Conselho em 2019, até a sua recomposição em 1º de janeiro de 2022, o canal de participação popular foi eliminado em sua maior instância (no nível nacional) e, diversos programas de SAN sofreram redução orçamentária progressiva e significativa, impactando diretamente nas ações de combate à fome, na produção, no abastecimento e no preço dos alimentos. Tudo isso, somado aos impactos de uma crise política e econômica e do desmonte de políticas sociais de saúde, de assistência social e de segurança alimentar (SAN), iniciada em 2016, e aos impactos da crise sanitária resultante da pandemia.
Cabe destacar, que a estratégia de extinção do CONSEA não é inédita, já havia acontecido em 1995, quando logo após a posse do Governo do então presidente, a mesma ação foi implementada. Por reflexos de decisões políticas e pela caraterística de governos autoritários coibir a participação popular, o tema foi eliminado da agenda de Governo, contribuindo para os retrocessos e para a situação alarmante que chegamos, com os piores índices de insegurança alimentar já identificados desde 2004, além do agravamento das desigualdades sociais no país.
Após muita luta de movimentos sociais foram criados canais de interlocução do Governo com a população, como as conferências e os conselhos populares, as ouvidorias, as audiências públicas que então viabilizam uma democracia participativa, contribuindo para aumentar a eficácia e abrangência das políticas públicas e ações. A participação da sociedade no processo de formulação, implementação, avaliação e monitoramento das políticas públicas é essencial, permitindo:
Aproximar as decisões do governo das necessidades da população;
Aumentar o controle da população sobre as ações do governo, colaborando com a fiscalização sobre o uso dos recursos públicos e as decisões das políticas do Estado;
A abertura de espaço para grupos vulneráveis, que historicamente estiveram afastados dos processos decisórios, como negros, mulheres e população de rua;
Evita a influência de indivíduos que possuem canais privilegiados de acesso incidam
sobre os tomadores de decisão.
Entre as inúmeras conquistas viabilizadas pelo CONSEA durante o seu funcionamento, vale destacar a inclusão do direito à alimentação na Constituição Federal brasileira, a aprovação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, a Política Nacional sobre Agroecologia e Produção Orgânica, o Programa de Aquisição de Alimentos e compras de alimentos da agricultura familiar pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e por outros órgãos públicos, além do inédito e premiado Guia Alimentar para a População Brasileira.
Os CONSEAs estaduais e municipais possuem atribuições semelhantes às do CONSEA nacional, porém dentro das suas instâncias e, apesar da extinção do CONSEA nacional, permaneceram mobilizados e tiveram atuação importante durante os últimos anos. O COMSEA Petrópolis, foi criado em 2011, sendo integrado por seis representantes do poder público e 12 da sociedade civil, tendo na composição atual dois representantes do Ensino Superior docentes da UNIFASE, além de contar com a participação de alunos, por meio de projetos de extensão. Dentre as ações do COMSEA Petrópolis, destacaram-se:
Realização da Conferência Municipal de SAN, contemplando a discussão e proposição de ações relacionadas às violações do direito humano à alimentação, agroecologia, renda básica e cozinhas comunitárias;
Reivindicações para a construção de planos intersetoriais de combate à fome e à insegurança alimentar;
Acompanhamento de equipamentos sociais que viabilizam o acesso aos alimentos como restaurante popular, hortas comunitárias e cozinhas solidárias;
Incentivo e apoio a projeto de implementação do banco de alimentos no município.
Diante do restabelecimento do CONSEA nacional serão retomadas as Conferências Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) para discussão e construção conjunta de propostas relacionadas à SAN. Vamos participar e acompanhar as ações destes órgãos essenciais para viabilizar o direito à alimentação adequada e saudável a todos os brasileiros!
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