Crédito Foto: Mayara Calixto/Fiocruz
PETRÓPOLIS - Crianças
indígenas da Amazônia estão sendo diretamente impactadas pelos efeitos do
garimpo ilegal. A constatação é de pesquisadores que avaliaram, em outubro de
2022, 120 crianças menores de 12 anos da comunidade Yanomami-Ninan. O objetivo
era verificar os efeitos da exposição ao metilmercúrio. O trabalho, realizado
pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pelo Instituto Socioambiental (ISA),
teve o consentimento dos pais ou responsáveis e contou com a participação de 17
profissionais de saúde e pesquisadores, entre eles a professora Adriana
Duringer Jacques, do Centro Universitário Arthur Sá Earp Neto e da Faculdade de
Medicina de Petrópolis (UNIFASE/FMP).
A pesquisa foi feita nas
comunidades que ficam às margens do Rio Mucajaí, em Roraima, um dos mais impactados
pelo garimpo ilegal na Terra Yanomami, entre os dias 5 e 14 de outubro de 2022,
com entrevistas feitas a partir de questionários pré-estruturados, conduzidas
com a assistência de intérpretes indígenas para tradução entre o idioma
Ninan/Yanomami e o português, e coleta de amostras de cabelo de 287 indígenas.
O resultado comprovou graves impactos da ação ilegal: as crianças estão vivendo
sob exposição do metal altamente tóxico ao ser humano, absorvido no organismo
principalmente por meio do consumo de peixe contaminado.
“O resíduo do garimpo ilegal
em terras indígenas é o mercúrio, que se biotransforma em metilmercúrio, e a
maior parte das crianças avaliadas já tinha níveis elevados, acima do consumo
considerado seguro pela Organização Mundial de Saúde”, explicou a professora
Adriana Duringer Jacques.
Das amostras de cabelo
examinadas, 84% registraram níveis de mercúrio acima de 2,0 μg/g (micrograma
por grama). Outros 10,8% ficaram acima de 6,0 μg/g. De acordo com a Organização
Mundial da Saúde (OMS), os níveis de mercúrio em cabelo não devem ultrapassar 1
micrograma por grama.
Além do trabalho com as
crianças, os pesquisadores destacaram que indígenas adultos com níveis mais
elevados de mercúrio apresentaram danos em nervos nas extremidades, como mãos,
braços, pés e pernas, com mais frequência. “Nas crianças, o nível elevado de
mercúrio no organismo causa atraso no neurodesenvolvimento”, ressaltou a
professora e pediatra da UNIFASE/FMP Adriana Duringer Jacques.
O artigo intitulado
"Achados clínicos, laboratoriais e de neurodesenvolvimento em crianças da
população Yanomami-Ninam expostas cronicamente ao metilmercúrio", que faz
parte da pesquisa "Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da
floresta na Amazônia: uma abordagem integrada saúde-ambiente", ampliou as
variáveis estudadas e encontrou resultados que merecem atenção. Os resultados
revelaram que as crianças Yanomami apresentavam peso e altura abaixo do
esperado (mediana do escore Z de -1,855 para peso para idade e -2,7 para altura
para idade), alta prevalência de anemia (25%) e baixa cobertura vacinal (15%).
Entre as 58 crianças para as quais foi possível estimar o Quociente de
Inteligência Total (QIT), o valor médio foi de 68,6, variando de 42 a 92
pontos. Além disso, a pontuação mais baixa no teste de QI foi associada a 5
vezes o risco de ter níveis elevados de mercúrio no cabelo, 2,5 vezes o risco
de ter uma idade mais avançada e quase 8 vezes o risco de consumir peixe,
ajustando para consumo de castanhas.
“Não obstante as limitações do
estudo, os resultados sugerem que a contaminação por mercúrio proveniente de
atividades de mineração ilegal em terras indígenas pode impactar negativamente
o neurodesenvolvimento em crianças indígenas mais velhas, especialmente aquelas
que consomem peixe, apesar dos benefícios inerentes ao consumo do mesmo”,
finaliza a pesquisadora.
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