Desde o início deste ano, o Brasil passou a adotar a nova Classificação Internacional de Doenças (CID-11) da Organização Mundial da Saúde (OMS). Entre as mudanças mais significativas está a inclusão da Síndrome de Burnout no rol de doenças ocupacionais, um passo importante para reconhecer os impactos do esgotamento no ambiente de trabalho como questão de saúde pública. A partir dessa atualização, a síndrome passa a ser oficialmente reconhecida como uma doença relacionada ao ambiente de trabalho, impactando diretamente nas estratégias de prevenção, diagnóstico e tratamento.


De acordo com a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), aproximadamente 30% dos trabalhadores no Brasil são afetados pela condição, colocando o país como o segundo no ranking mundial de casos. Estima-se que 33 milhões de brasileiros convivam com o burnout, que já se tornou uma das principais causas de afastamentos e aposentadorias, com respaldo do INSS e da Justiça.



Desafios para o mercado de trabalho


A psicóloga petropolitana Vanessa Siqueira analisa a relevância dessa inclusão no CID-11 e os desafios enfrentados pelos trabalhadores e empresas. “O burnout é um esgotamento físico e emocional causado por estresse crônico no trabalho. Imagine um carro que nunca faz uma pausa para abastecer: cedo ou tarde, ele para de funcionar. Reconhecer a síndrome como uma doença ocupacional é essencial, pois incentiva empresas e governos a tratarem o problema com a seriedade que ele exige”, comenta.


Segundo ela, as condições do mercado de trabalho brasileiro têm contribuído significativamente para o aumento dos casos. “Jornadas longas, metas irreais e a falta de pausas criam ambientes de alta pressão”, observa.


Profissionais da saúde, educação e gestão estão entre os mais vulneráveis, devido à combinação de carga horária extenuante, falta de recursos adequados e pressões constantes. “Imagine um professor que precisa dar conta de várias turmas, com recursos insuficientes, corrigir provas e ainda lidar com problemas emocionais dos alunos, sem ter recebido treinamento para tal. Isso sobrecarrega e aumenta o risco de burnout. Há também a falta de políticas efetivas para promover a saúde mental no trabalho, especialmente em setores altamente demandantes. No caso dos profissionais da saúde, por exemplo, eles têm que trabalhar em turnos longos, lidando com emergências e vidas em risco, sem tempo para se recuperar”, acrescenta.


Na última década, houve um aumento de 1000% no número de afastamentos do trabalho devido à síndrome de burnout, segundo dados do INSS. Para a profissional de saúde, esse aumento pode ser atribuído não apenas ao aumento da pressão no trabalho, mas também à maior conscientização sobre o tema. “Esse aumento é reflexo do ritmo de trabalho acelerado, da alta competitividade e do uso excessivo da tecnologia, que dificulta a desconexão. Além disso, a maior conscientização sobre a síndrome tem levado mais pessoas a buscar ajuda. Antes, muitos achavam que o cansaço extremo era ‘normal’ e não buscavam tratamento. Hoje, é mais fácil identificar quando algo está errado, como a dificuldade em se desconectar do trabalho mesmo em casa”, afirma.



Sintomas e abordagens terapêuticas


Os sinais mais comuns de burnout incluem exaustão emocional, dificuldade de concentração, distanciamento mental do trabalho e sensação de ineficácia. Alterações fisiológicas, como problemas de sono e dores musculares, também são frequentes. “A terapia cognitivo-comportamental ajuda a ressignificar pensamentos disfuncionais, enquanto mudanças no estilo de vida – como exercícios, lazer, técnicas de relaxamento e apoio social – são fundamentais para a recuperação”, explica a psicóloga.


A inclusão da síndrome de burnout no Sistema Único de Saúde (SUS), aprovada pela Câmara dos Deputados no ano passado, e o reconhecimento da doença como ocupacional pela OMS são avanços importantes. Todavia, Vanessa acredita que as empresas brasileiras ainda têm um longo caminho a percorrer para enfrentar o problema. “Falta preparo para lidar com a questão; elas precisam investir em programas de bem-estar, flexibilizar horários, treinar líderes para desenvolver empatia e abrir espaços de diálogo sobre saúde mental. Além disso, os Círculos de Diálogo e Mediação de Conflitos podem ajudar na criação de espaços seguros para escuta ativa e resolução de problemas, promovendo relações mais saudáveis e colaborativas no trabalho”, sugere.


Ela também defende que, no SUS, é necessário ampliar o número de psicólogos e psiquiatras, oferecer programas de prevenção em empresas e escolas, e criar campanhas de conscientização para aumentar o acesso ao tratamento. “É preciso desmistificar o estigma em torno da saúde mental. burnout não é fraqueza, mas um reflexo de ambientes de trabalho que precisam ser repensados”, conclui.


Mais sobre Vanessa Siqueira

Com 20 anos de experiência, Vanessa Siqueira é psicóloga clínica, mediadora de conflitos e facilitadora de Círculos de Diálogo. Membro da Academia Brasileira de Ciências, Artes, História e Literatura (ABRASCI), ela também é autora do livro “O Campeonato das Emoções”, publicado pela Editora Literare Books International.

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